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Terceirização: o que muda agora?


A Câmara dos Deputados aprovou na última quarta-feira (22) o projeto de lei 4.302/1998 que regulamenta a terceirização de atividades profissionais no Brasil. Na prática, o texto admite que empresas podem terceirizar atividades-fim, algo que a Justiça do Trabalho entendia como irregular.

Foram 231 votos a favor do projeto, 188 contra e 8 abstenções. Como o texto-base do projeto já passou pelas comissões e pelo Senado -- desde 2002 estava engavetado na Câmara --, agora deve ir direto para a sanção do presidente Michel Temer.

A terceirização é um calo cada vez maior para as empresas e a justiça. Não há nenhuma legislação específica sobre o tema além da súmula vinculante 331, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e decisões alinhadas da Justiça do Trabalho. Em geral, admite-se que apenas as atividades-meio podem ser objeto de terceirização.

Essas atividades incluem, por exemplo, serviços de vigilância, catering, limpeza e portaria por empresas que não oferecem como produto final nenhuma desses serviços.

Além da terceirização, o projeto também altera dispositivos da Lei nº 6.019/1974, que dispõe sobre trabalho temporário nas empresas urbanas. Contratos dessa natureza terão o prazo ampliado de três meses para nove meses, podendo ser ampliado por meio de convenção coletiva.

A aprovação da lei foi celebrada e repudiada. Por um lado, as críticas ao projeto indicam que haverá precarização das relações de trabalho, os salários serão inferiores e não haverá inclusão de terceirizados em benefícios. Por outro, são enfatizados benefícios como flexibilidade, menores encargos trabalhistas para as empresas e a adequação ao momento econômico.

Os principais pontos da lei aprovada são:

  1. A terceirização passa a ser irrestrita para todas as atividades e setores, incluindo na zona rural;

  2. A responsabilidade da empresa tomadora passa a ser subsidiária ao invés de solidária no que tange às obrigações trabalhistas e previdenciárias. Isso significa que o trabalhador deve buscar soluções junto à empresa fornecedora, inclusive pelas vias judiciais, antes de acionar a tomadora -- uma blindagem às empresas contra ações trabalhistas.

  3. No caso de trabalho temporário -- principal alvo da proposta à época -- é de 180 dias prorrogáveis por mais 90. Caso seja comprovada necessidade de continuidade e não houver prejuízo aos empregados formais, o prazo pode ser ampliado.

  4. As relações de trabalho continuam sendo regidas pela CLT -- mas apenas entre a terceirizadora e seus funcionários.

  5. A tomadora não pode exercer poder diretivo, técnico e disciplinar junto aos empregados terceirizados. Se essa prática for comprovada em tribunal, o trabalhador pode pedir reconhecimento de vínculo, conforme prevê o artigo 22 do PL. Em caso de vitória, a empresa terá de pagar benefícios retroativos.

  6. A tomadora precisará garantir as condições de segurança e saúde no ambiente de trabalho, conforme manda a legislação trabalhista e eventuais atos normativos.

  7. A tomadora não poderá manter o funcionário terceirizado em atividade distinta para o qual o contratou.

  8. Empresas de vigilância e de transporte de valores contam com uma regulamentação própria e não são alcançadas pela nova lei.

O Administradores.com consultou especialistas, advogados e empresários para conhecer as principais divergências em relação ao projeto. Confira abaixo.

A terceirização vai reduzir o desemprego?

A taxa de desemprego no Brasil começou uma trajetória ascendente no ano passado e não dá mostras de desgaste. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a massa de desempregados chegou a 12,3 milhões no 4º trimestre de 2016, uma alta de 3,1% em relação ao trimestre anterior.

Um dos principais argumentos do empresariado -- além da queda das receitas -- é o alto custo de contratação, manutenção e demissão de funcionários no Brasil. A terceirização seria uma alternativa para gerar mais empregos, já que o custo seria reduzido. Com a criação de empresas terceirizadoras, pode haver mais vagas a curto prazo no mercado para acomodar a mão de obra desocupada.

"A nível de mercado vai melhorar um pouco em relação ao desemprego. Vão se criar situações onde esses trabalhadores que estão desempregados poderão ser recolocados", afirma o advogado Alessandro Azzoni, do escritório Azzoni & Storopoli Advogados Associados.

Economista, professor de RH e diretor da Employer RH, Marcos Aurélio de Abreu acredita que haverá uma "pequena melhora" no quadro geral, mas outras reformas precisam ser implementadas para que a redução do desemprego seja efetiva.

"As empresas que terceirizaram foram severamente punidas pela Justiça do Trabalho, se amedrontaram e pararam de contratar. Com essa nova legislação, a insegurança jurídica é amenizada e possivelmente haverá um reaquecimento do mercado", explica. Para ele, outras medidas para desafogar novos investimentos em contratações envolvem revisão das regras para horas extras, descanso semanal remunerado, redução de jornada e adicional de insalubridade.

Vai haver precarização das relações de trabalho?

A advogada Patricia Previde, coordenadora da área trabalhista e previdenciária do escritório Menezes Advogados, lembra que ainda é cedo para prognósticos e que o projeto, num primeiro momento, favorece as empresas. Além disso, prevê um aumento no volume de ações trabalhistas.

"Essas empresas [terceirizadas] vão se multiplicar sem qualidade. Uma multinacional concentra renda e lucro, enquanto a terceirizada vai arcar com toda a conta dos trabalhadores", analisa. "As ações serão movidas contra as duas empresas, e isso pode sobrecarregar a Justiça do Trabalho", conclui.

Esse tópico leva a outro ponto controverso do projeto, que é o tipo de responsabilidade atribuída à empresa tomadora, conforme previsto no artigo 21. Atualmente, a Justiça do Trabalho entende que a responsabilidade é solidária, ou seja, a tomadora responde diretamente por qualquer situação envolvendo o funcionário.

O projeto aprovado na câmara garante a responsabilidade subsidiária da tomadora, o que também pode ser compreendido como responsabilidade indireta. O trabalhador precisará esgotar seus recursos junto à terceirizada antes de se dirigir à tomadora. A responsabilidade só é solidária no prazo do contrato caso as duas empresas pertençam ao mesmo grupo econômico.

Por outro lado, o projeto estabelece algumas garantias e obrigações para as empresas e trabalhadores. Por exemplo, a tomadora não pode manter o funcionário terceirizado em atividade diversa para a qual foi designado no contrato. Além disso, os empregados não estão subordinados ao poder diretivo da tomadora.

Terceirização é vantajoso para as empresas?

Assim que o projeto foi aprovado, quase pela madrugada, memes e imagens com dizeres envolvendo "escravidão" se espalharam nas redes. O temor é alimentado pelas centrais e movimentos ligados à esquerda, que esperam que as empresas adotem a terceirização de forma ampla assim que a lei for sancionada.

Para Previde, não é uma preocupação à toa, embora ela seja enfática em dizer que é cedo para previsões. "O projeto é genérico. O trabalhador entende isso como retirada de direitos, o que é compreensível. Mas eu entendo tanto os argumentos contra quanto os a favor", diz.

Lívio Giosa tem uma larga experiência quando o assunto é terceirização. É presidente executivo da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB) e diretor do Centro Nacional de Modernização Empresarial (CENAM), entidade que discute práticas de gestão, entre elas a terceirização. Também é autor do livro "Terceirização: uma abordagem estratégica".

Ele explica que a terceirização, para uma empresa, deve ser justificada por pelo menos um de quatro pilares: aumento da qualidade, aporte de tecnologia, redução dos tempos na necessidade da operação e redução do custo.

"No Brasil, no início da década de 90, quando se começou a adotar a terceirização, havia um dos maiores percentuais de inflação da história. Por conta disso, o pilar custo passou a ser o mais importante, ao invés do pilar da qualidade", ressalta.

Apoiador do projeto e interlocutor dos deputados nas questões técnicas, Giosa lembra que o Brasil é o único país do mundo que agora tem uma legislação específica sobre terceirização. "Os demais países entendem a terceirização como algo absolutamente normal. Passou-se a depender de uma legislação para equalizar a percepção dos agentes envolvidos, empresas trabalhadores e justiça", conta.

"A lei aprovada equaliza esses movimentos e impõe a flexibilização das relações. É uma oportunidade de empresas prestadoras melhorarem, capacitarem mão de obra. Essa mão de obra se vê acolhida, porque as empresas terão que contratá-las em regime CLT. A contratada precisa cumprir a lei, se não cumprir, a contratante tem responsabilidade subsidiária", diz.

"A terceirização implica principalmente em redução de custos", reconhece o economista Marcos Aurélio. "As empresas precisam da terceirização para ter capacidade resolutiva de produzir, porque o terceiro é especializado e pode corresponder à expectativa com velocidade", enfatiza.

Para se adequar à legislação, as empresas que optarem pela terceirização deverão adotar estratégias específicas. "Se a terceirização for feita sem responsabilidade e sem planejamento, vai gerar questões que a Justiça vai continuar punindo", prossegue. Para ele, as empresas precisarão adotar uma gestão estratégica de terceirização, o que implica não em mudanças amplas e irrestritas na força de trabalho, mas pontuais, conforme a necessidade.

"Quem tá a frente do negócio sabe exatamente onde aperta o calo. O empresário não vai arriscar a perda da qualidade do serviço prestado", garante Marco Aurélio.

Quais são os riscos?

Para o advogado Azzoni, é possível que grandes empresas e conglomerados criem empresas menores para alocar seus próprios trabalhadores como terceirizados, criando uma distorção. "Dessa forma, esas empresas não sobrecarregariam o patrimônio com custos trabalhistas. Seria uma forma de blindagem", acredita.

Outro problema refere-se ao não cumprimento de obrigações contratuais e trabalhistas, bem como a possibilidade do trabalhador cobrar seus direitos. Por exemplo, caso a terceirizada receba o pagamento, não pague os funcionários e feche as portas, a responsabilidade subsidiária determina que a contratante assuma o pagamento. O que pode exigir uma longa, desgastante e desigual briga judicial.

"Hoje, uma empresa contratante de terceirizada tem que ter o controle dos recolhimentos. na nota, tem que apresentar os recolhimentos passados dos trabalhadores, todas as verbas trabalhistas recolhidas, para me certificar que aquilo foi realmente pago, quando muito com um default de um mês", narra.

"Se a lei passar a considerar a contratante como subsidiária, tira essa responsabilidade. O trabalhador vai ter que constituir prova para mostrar que a outra empresa não recolheu", prossegue Azzoni.

Outro problema flagrante da lei aprovada é a permissão que o poder público ganha para terceirizar sob as mesmas regras. Azzoni lembra que a terceirização, mesmo sem ser permitida para cargos de primeira linha, como juízes e promotores, pode ser utilizada como forma de burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

"Há um limite prudencial estabelecido pela LRF para gastos com pessoal", diz Azzoni. Para o Governo Federal, esse limite é de 50% da Receita Corrente Líquida; para estados e municípios, 60%. No entanto, o gasto com terceirizadas é contabilizado como despesa, e não como contratação de pessoal. "Então o poder público pode deixar de realizar concursos para contratar terceirizadas", alerta.

Práticas como nepotismo e apadrinhamento por meio de contratações terceirizadas também podem ganhar escala. No entanto, Giosa minimiza essa preocupação.

"O poder público tem seus guardiões, os sindicatos dos trabalhadores públicos. Além disso já contratam serviços terceirizados para atividades como recolhimento de lixo, transporte e manutenção. São contratações feitas há muitos anos", diz, lembrando que o corporativismo profissional é mais forte no poder público.

http://www.administradores.com.br/noticias/negocios/terceirizacao-o-que-muda-agora/117851/

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